terça-feira, 15 de novembro de 2011

Grifos de uma preta na madrugada que tem o maior galo do planeta


Gosto de acreditar que fugi para realizar mais uma “celebração móvel” das minhas tantas identidades. Minhas fugas são celebrações. A escolha de onde se vai celebrar uma dor, um luto, uma conquista, uma descoberta influencia bastante no ritual litúrgico da “comemoração”. Fiz a escolha pela terra pernambucana, que sempre me recebe muitíssimo bem e me pede para ficar. Estou ficando, as celebrações que vim fazer por livre vontade ou aquela que fora imposta, todas elas me apresentaram ainda mais a mim mesma. Sou do tipo de pessoa que vivencia as relações muito profundamente, de forma visceral, porém honestamente. A minha relação com esta terra é honesta e confiável, mesmo em tempos que me assaltaram a minha capacidade de confiar. Recife me aceita como se eu fosse dela, não apenas uma celebradora que se move a procura de respostas e de forças para se recompor de um luto, o pior de todos, o luto de morte em vida.

Não sei se quero deixar de pisar no chão de Olinda, cidade exauridamente charmosa que estabelece relação direta com a minha terra. As pedras do chão, o comércio local, as casinhas coloridas, as igrejas cheias de adornos, o artesanato, a presença sempre desconfiada da polícia, o povo de cor como a minha, o cheiro de terra com a chuva que cai e alivia o calor, a senhorinha que prepara a tapioca no lugar das baianas de acarajé, os amigos e amigas daqui que me inserem ainda mais nos seus seios íntimos. O Recife Antigo tem um rio que desfila no meio desta cidade gostosa que deu abrigo à minha escritora predileta, Clarice.

Costumo ouvir associações de muitos estados com a Bahia, mas a minha associação direta do meu estado natal é com Pernambuco. É nesta associação que me sinto inteiramente plena nas minhas “celebrações móveis”. A minha identidade se completa com a energia de Recife. A minha identidade se reestrutura e se recompõe em Recife. Muito além do frevo ou do maracatu, os ares desta terra que contempla este meu dolorido instante-já são acalentadores, sinto-me acolhida, em casa, como numa relação fetal. Fincar os meus pés neste chão tem servido para a minha raiz sugar a substância vital, aquela que regozija pela minha vida, tão valiosa e respeitada por tanta gente boa, tão caras para mim.

Hoje, partilhando das minhas relações pernambucanas, redescobri que os piores fardos podem ser sim carregados, mesmo quando eu acho que não vou suportar. Recife me ouviu quando eu gritei que “Je Veux d'l'amour, d'la joie, de la bonne humeur”. Recife está me deixando firme e ereta, tudo está passando e eu já consigo sorrir. Eu confio cegamente em Recife e ela me confidenciou que “felicidade é só questão de ser” e eu sou. Quando se é, é e ponto final.

 *Esta música de Zaz tem sido a trilha que tem embalado esta minha celebração

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