segunda-feira, 2 de maio de 2011

O subúrbio precisa de professor, não de polícia!

Pessoa, tudo bem? Estou há alguns dias sem postar nenhum texto, mas a produção está em alta! Entrei na comunidade de Professores Concursados do Estado da Bahia no Orkut e, como curiosa que sou, entrei num fórum sobre o provimento de professores no subúrbio. Desculpe-me a franqueza, mas como me diz Carlota: "Amiguxa, as pessoas pensam e calam. Você pensa e imediamente fala!". Escrevi um texto em resposta aos absurdos que li nesta comunidade. Há até quem chegue a afirmar que como docente tem mais dificuldade a "ensinar" às crianças pobres, pois as mesmas não têm relações culturais. Gente, eu vou morrer sem ler muitas referências, mas eu nunca li que a ação cognitiva é diretamente proporcional à classe social. Que preconceito!

A minha escola recebe visitas da Ronda Escolar, mesmo que eu discorde da presença da polícia na escola, é uma demanda a ser discutida, entretanto eu jamais permiti abordagens ou qualquer abuso policial á minha vista, ainda que seja fora da escola, muito menos me senti insegura necessariamente por estar no subúrbio.

A minha briga é para não ser removida do subúrbio. É lá que quero estar! Entre Polyanas, Roberjans, Rodrigos, Mateus, Larissas, Airans, Tainaras, Keyses e toda comunidade do Edson! Eu me sinto em casa... É bom este sentimento de pertencimento, ele me empodera!

Ó, eu vou parar por aqui. Doenças auto-imunes têm estreita relação com o sistema emocional. Estou com muita raiva. O estômago já começou a doer!

A comunidade do Orkut está no endereço http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=11298455



O texto que escrevi vai em resposta ao que li lá! Infelizmente, divido com vocês também o que é ruim...


Boa tarde a todos e todas,


Sou Dayse Sacramento, vice-diretora do Colégio Estadual Edson Tenório de Albuquerque. Esta escola está localizada no bairro de Paripe, ao lado do Almirante Barroso. Estou fazendo tal explicação para definir o meu lugar de fala sobre o subúrbio.

Trabalho nesta escola há um ano e dois meses, atualmente estou retornando da licença médica, e tenho motivos de sobra para não querer mais sair de lá. A minha primeira experiência no subúrbio mostrou-me ainda mais que o meu trabalho é mais efetivo em comunidades ditas carentes, perigosas, assustadoras ou coisa parecida, pois o retorno é real. Ao contrário do que cita um professor num tópico acima, acerca de uma fala de Vygotsky, pensador russo, rebato com a fala do brasileiríssimo e nordestino Paulo Freire, quando o mesmo versa que o embrutecimento do indivíduo se dá por conta da sua ignorância. Freire nos afirma que quanto mais se sabe, menos se é bruto. Freire também nos afirma que conhecimento é auto-estima. Ter conhecimento emancipa o indivíduo. É válido para a construção de alguém poder afirmar que quer ser isto ou aquilo, ao invés disto. Ter auto-estima é possibilitar ao estudante o uso do conteúdo que vai colocá-lo nos bancos da academia ou numa cadeira pública, condição que cada um de nós vivencia neste “instante-já”, como nos diz Clarice Lispector.

Poucos autores escrevem sobre o subúrbio e, honestamente, prefiro ouvir o subúrbio, viver nele para entender que o trabalho da docência exige formação, condições de trabalho, salários dignos, mas primordialmente, responsabilidade naquilo se faz. Um colega meu, largou a profissão docente para ser médico. Segundo ele, o erro médico mata apenas um, mas as informações equivocadas, as aulas mal dadas e não planejadas matam 40 de vez. A criminalização feita pelos programas "populixos" dos moradores do subúrbio me afetam diretamente no que tange a questão racial, ainda tem esta seara que nem vou adentrar agora.

Muito ignorante é aquele que pensa que as relações formam o conhecimento e de que isto não acontece em Paripe, Periperi, Coutos, etc. O subúrbio tem muito a nos ensinar! As pessoas que moram lá estão cada vez mais conscientes do mal que as afetam e estão tomando consciência de que um dia esta bomba vai estourar. Os responsáveis vão responder! Na verdade, já estão respondendo.

Tem um vídeo muito elucidativo que ilustra a fala de quem é a todo tempo excluído de tudo, “Violentamente Pacífico”, cujo um morador do Bairro da Paz elucida muito bem o que é ser excluído. Assintam ao vídeo em http://www.youtube.com/watch?v=TsnhnmGF23c

Não parto do princípio de que apenas o amor pela profissão pagará as minhas contas ou custeará a minha formação complementar. Não trabalho por amor, trabalho por dinheiro, entretanto, amo o que faço.

Não creio que ainda estejamos no tempo em que o professor sai da universidade vivendo a sala de aula ideal, a realidade ideal e se frustra quando chega na escola. Façam-me o favor! O trabalho em educação é de garimpo. É danoso para os nervos, sei disso sim, sinto isto na pele, mas vou parafrasear Ninha, ex-cantor da banda Timbalada: “Se não guenta, pra que veio?”.

Olha Xandão, sinceramente, para mim, há certos tipos de profissionais que não merecem estar no subúrbio, ainda que o valor do difícil acesso fosse de 1000%! Deixa eles lá... Também não posso refutar o fato de que o atual governo precisa fazer muito mais pela educação, pela formação docente, pela carreira, pelo educando, pelo gestor escolar. Mas eu não acredito que estamos no fim da história. Esta teoria não me apetece. Estamos sim, em novos começos! O problema é que a vaidade não permite que as pessoas façam uma leitura despretensiosa e sem preconceitos do outro. De vez em quando, creio que as pessoas devessem praticar o princípio da alteridade. O problema é que dói, mesmo sentindo uma dor que você julga não ser sua.

A escola não é o único espaço de educação, mas é ela quem instrumentaliza os indivíduos para “iluminarem as suas realidades”, como afirma Freire.

Nunca soube que a polícia educa. A polícia mata, bate e oprime, mas não educa. Sei de histórias de arrepiar que acontece nas escolas particulares mais caras de Salvador e sei de casos de humilhação que sofrem colegas docentes, vítimas dos alunos que se consideram clientes da empresa chamada escola. Eles não precisam de polícia e por que a negrada da suburbana ainda precisa apanhar ao sol? A conversa do tráfico de drogas, do assalto a mão armada não cola mais! A questão é muito mais séria e profunda do que este dueto que estampa as páginas de jornais diariamente.

Adolf Hitler, PC farias, Fernando Henrique Cardoso, Suzane Von Richthofen e muitos outros casos não precisaram de polícia ou estrutura militarizada para ser quem foram/são e fazer o que fizeram/fazem. Acorda, gente! O discurso do docente não pode mais desconhecer que a realidade está na sala de aula de aula sim! Não dá para ficar como o professor Joseph Jacocot, no livro de Jacques Ranciére, o Mestre Ignorante. O docente se encontra numa situação inusitada em que ele tem que dar uma aula sobre aquilo que ele não sabe. Ele fala francês e os alunos flamenco. O texto “considera que no cruzamento entre a educação institucionalizada e a ação política progressista se tem afirmado que a educação teria como uma das suas tarefas fundamentais apontar as contradições de classe (ou de gênero, de raça, de religião ou outras) próprias da nossa sociedade. Ao contrário, a vertente liberal tem insistido que a escola deveria funcionar como reguladora das desigualdades sociais, o que exige a aplicação de mecanismos ou estratégias para garantir a igualdade de oportunidades. A aquisição do conhecimento tem sido entendida como a chave para a consecução da liberdade. Caberia, então, a educação pública estender tal benefício a todos, sem diferença de origem. Estas diversas considerações compartilham o suposto de que a instituição educativa teria a responsabilidade política de fazer algo para igualar o que se apresentaria, de fato, como desigual.” (Stella Rodrigues – Doutora em Psicologia da educação, professora da UNEB).

Para mim, o que de fato interessa é que a escola tem a possibilidade de descobrir a potencialidade de todo homem ou mulher quando os/as considera igual aos demais e considera a todos os homens iguais a ele/ ela. Quando alguém se entende como igual aceita o desafio de se tornar protagonista da própria história. “É uma maneira de estabelecer relações entre os homens no que todos sem exceção se lhes reconhece a possibilidade da palavra. O que embrutece uma pessoa não é sua falta de instrução e sim a crença na inferioridade de sua inteligência, e o que embrutece aos “inferiores” embrutece ao mesmo tempo aos “superiores”.” (Stella Rodrigues)


Creio que deva ter explicitado parte daquilo do que penso e coloco-me a disposição para conversar e trocar idéias sobre tal assunto.


Saudações libertárias,


Profª Dayse Sacramento

*Como sempre, Amanda Gomes para o que está fazendo, lê os meus textos e na mesma hora responde:"Jogou duro! Muito bem!" Ô figura querida... Mais créditos para esta revisão!






























5 comentários:

Mitchela disse...

Olá Dayse,
Seu blog está muito bom, com reflexões que só vc sabe escrever. Que bom que é mais uma defensora dos nossos irmãos suburbanos, que bom que se sente bem aqui.
Suburbana, nascida e criada aqui, me entristece saber que tem pessoas que pensam dessa forma. Além de ser o lugar que moro é meu local de trabalho tb e sei o quanto essa galera produz conhecimento.
Como é bom saber que vc está bem e que continua na luta contra o preconceito, contra a exclusão de nossas crianças.
Vc é um exemplo de superação. Tem muito o que trabalhar aqui no subúrbio.
Parabéns!
Mitchell

Fabíola disse...

Que lindo seu texto! Fiquei arrepiada! Também escrevi algo sobre a periferia num antigo blog meu, já extinto... Vou colocar uns trechos aqui...

"Hoje, lembrei-me de um passeio que fiz no trem que vai da Calçada a Paripe e por suas janelas contempla-se um lado da Baía de Todos os Santos, que parece não ser de santo nenhum... Mas, o mar de lá insiste em ser azul, como o da Orla Atlântica abafada, poluída, presente nas propagadas e discursos governamentais e imobiliários... A paisagem de lá persiste em ser bela apesar de todo o descaso e todo estigma que esse lado da cidade carrega.
As pessoas que vivem na periferia insistem em ser alegres, mesmo com o aperto, dos terrenos inabitáveis de 20m², da falta de saneamento, transportes, segurança... Elas insistem em jogar dominó, em darem boas gargalhadas em meio à poluição sonora que agrega mais do que separa.
Também sinto inveja da periferia, do arco-íris que ela apresenta, mas ninguém consegue enxergar. Sinto inveja do cheiro de bolo que invade as casas vizinhas, das comadres que fofocam sobre a vida alheia nas janelas, das crianças que correm atrás de pipas, da prática da solidariedade, dos idosos que cochicham nas praças de puro concreto, da vida que corre para o encontro, apesar de tanto desencanto.
Mas, lembrei disso tudo por causa da aula de hoje à tarde, quando ouvi meu professor defender a periferia como possibilidade, como um espaço que tenha centralidade própria, como um lugar que possa virar as costas para o centro que não a enxerga. Ele estava falando de Valéria, mas poderia ser de qualquer outra periferia de Salvador ou do mundo. É interessante pensar nesses termos, pois ninguém defende a periferia como possibilidade arquitetônica, paisagística ou de coisa alguma. Ninguém nota a voz da periferia, a não ser quando a mídia noticia suas mazelas ou quando ela explode como aconteceu em Paris, a cidade das luzes.
Quero que essas luzes iluminem as muitas viagens que farei ainda naquele trem, observando aquele mar que insiste em ser azul e aquela gente humilde que só é lembrada nos discursos... mas, que tem voz e não se cala!
A periferia como possibilidade do mundo, ou como diria Santos: “esse mundo novo anunciado não será uma construção de cima para baixo, como a que estamos hoje assistindo e deplorado, mas uma edificação cuja trajetória vai se dar de baixo para cima”.
Então, acreditemos nessa semente de uma evolução positiva e solidária, que pode ter o olhar, o tato, o paladar, a audição, enfim, todos os sentidos voltados para a periferia".

... disse...

Obrigada Mitchela, conte comigo sempre nesta luta pela credibilidade de quem está fora de tudo!

... disse...

Fabíola, eu, honestamente, já li muita coisa ruim, muita coisa boa e coisas que realmente são maravilhosas. Se este é apenas um pedaço do bolo, eu quero a torta inteira. Texto espetacular, lindo. Que reflexão embriagada da sua sensibilidade discreta. Estou muito, muito emocionada mesmo com esta leitura.

Manda o texto completo, por favor!

Dalliane disse...

Porraaa... botou pra f...